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sábado, 9 de agosto de 2014

Pra quê serve a música?

Gostaria de fazer essa pergunta a todos os professores de música. Creio que muitos, inclusive os renomados, deverão titubear um pouco. Tudo bem, não é pra menos. A música é algo que muitas vezes transcende o verbo. Mas, na minha humilde opinião, quem se atreve a ensinar música deve, ao menos, buscar responder essa pergunta todos os dias. E quem se atreve a ‘ensinar’ aos pequenos não tem o direito de não saber responder, pois o caso é infinitamente mais grave. Por que temos que saber matemática? Sem filosofar muito: porque a utilizamos “diretamente” todos os dias. E a música não? Imagine um dia inteiro sem nenhum segundo de música. Nossa vida é um filme com trilha sonora e tudo, apesar de não notarmos a música toda hora.

Agora se perguntem: por que é importante estudar química, biologia-molecular, física-quântica? Há muitas respostas. Mas sem dúvida, aprender tudo isso no mínimo desenvolve nossa inteligência independente de onde decidirmos usá-la. Por que dar suporte às pesquisas acadêmicas em combustível? Porque a cidade depende de combustível. Por que dar suporte às pesquisas sobre meio ambiente? Porque as indústrias precisam de aval pra funcionar. Por que dar suporte à pesquisas nutricionais? Porque as indústrias alimentícias precisam vender seu leite ‘batizado’. Agora, por que dar suporte para a música na academia se a indústria da música já está satisfeita com os vencedores do programa Ídolos? Porque o público geral é ignorante o suficiente para não perceber o lixo que está impregnando o cérebro de seus filhos, que provavelmente crescerão igualmente ignorantes e por aí em diante. Não estou falando de gosto musical. Meu foco aqui é sobre legitimidade da nossa profissão. Nós, músicos, temos que dar satisfação do nosso trabalho todos os dias, buscar justificativa nas neurociências, na antropologia, ou seja, nas “ciências sérias”. Música definitivamente não é uma simples área de entretenimento: é uma área de conhecimento, como tantas outras. Por isso, o ensino de música deveria ser tratado com mais seriedade.

Gostaria de convidá-los refletir um pouco sobre a importância da música para os não-músicos. Quando jovens, achamos que a escola nos ocupa com muita coisa inútil e que determinados conhecimentos apenas seriam válidos se pretendêssemos trabalhar na área em questão. Mas como ninguém com menos de um metro e vinte de altura sabe ao certo o que quer da vida, podemos encarar todas essas "inutilidades" como sementes que brotaram ou não na mente de cada um de nós. Não poderíamos prever quais delas brotariam, e por isso a semeadura teve de ser tão abrangente.

O problema é que em relação ao Ensino de Música no âmbito da escola até nossos colegas de trabalho (professores, diretores...) mostram descrença quanto à sua importância e, quando muito, até acreditam que a música é importante para desenvolver a sensibilidade do ser humano (e só), mas nunca cogitam a hipótese de que sem música alguns aspectos cognitivos poderiam não se desenvolver plenamente. É uma área do conhecimento muito ampla e, pelo mesmo motivo que nas primeiras séries as matérias eram reunidas em Estudos Sociais, Ciências e depois se dividem em Geografia, História, Química e Física, as artes não poderiam continuar agrupadas nem mesmo até o fim do primeiro fundamental. Há muita coisa dentro das artes que o “professor polivalente” de Educação Artística não é capacitado para abordar. Eu, músico, não vou me atrever à ensinar teatro. Por que um professor de teatro deveria ensinar música?

O currículo de música nas escolas está mudando, a legislação está amadurecendo, o que quis aqui foi sugerir a reflexão (por parte dos educadores) sobre a utilidade da música para os não músicos, o que pra mim significaria rever bastante as metodologias de musicalização voltada para o público infanto-juvenil, inclusive a mentalidade por trás destas que, por mais que se digam esclarecidas algumas vezes, ainda tratam a música como algo muito especial, tão especial que não se compara com o resto das disciplinas escolares. Ora, se a música não está à altura das outras disciplinas, por que ela deveria estar na escola? Lembrando novamente que acho inviável que um professor de música não saiba responder pra que serve o que está ensinando, principalmente, para os que não tendem a ser músicos. Sem este esclarecimento, estaríamos concordando que estudar música é função apenas de músicos. E assim, caminhando com nossas próprias pernas para fora da escola, da academia e da sociedade, nos enclausurando novamente nos Conservatórios.
"A educação musical escolar não visa à formação do músico profissional, mas o acesso à compreensão da diversidade de práticas e de manifestações musicais da nossa cultura, bem como de culturas mais distantes". Retirado da Justificação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 00343 / 2006 do senador Roberto Saturnino, que altera a Lei nº 9.394, de 1996, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educação básica.
"Educar-se em música é crescer plenamente e com alegria. Desenvolver sem alegria não é suficiente; dar alegria sem desenvolver tampouco é educar" (GAINZA, Violeta Hemsy de. Estudos de Psicopedagogia Musical. Summus Editorial : 1988).

LEITURA RECOMENDADA
WOLFE, Joe. Speech and music, acoustics and coding, and what music might be ‘for’. ISBN 1 876346 39 6. ICMPC7, Sydney, Australia, July 2002. (texto fruto da 7ª Conferência Internacional de Percepção Musical e Cognição, realizado em Sydney no ano de 2002).