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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Música e Linguagem


Uma dimensão tão importante do desenvolvimento musical como a Improvisação não poderia ser ignorada pela educação musical, e ficar relegada às de aulas de harmonia – que é um conteúdo importante, mas não resume toda a habilidade de improvisar.

Com relação à aula de improvisação, o que vi por aí até agora foi “manual básico de sobrevivência”: ensina-se harmonia, escalas arpejos e etc. Ou seja: ensina-se o alfabeto (as escalas), concordância nominal e verbal (harmonia) e espera-se que com isso tenhamos fluência em uma língua. Isso – repito – é “manual básico de sobrevivência”. Está longe de ser um caminho para a fluência num idioma (ou gênero musical). É inaceitável esse nível de esclarecimento numa academia. Na minha opinião ensino da improvisação deveria incorporar uma base filosófica mais consistente para fazer jus à proposta.

Quem é capaz de improvisar em um gênero musical, não necessariamente é tão capaz em outro gênero. Vou explicar. Hoje é bem clara para mim a relação da música com a linguagem, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento cognitivo. Isso me faz associar as diferentes línguas humanas (faladas e registradas em escrita), aos gêneros musicais. E não adianta saber como se pronunciam e como se escrevem as palavras para compreender um idioma. Correto?! É necessário saber o significado!

Tratando a afirmação “música é linguagem” da forma como propõe José Borges Neto – como sendo uma sugestão heurística –, acredito que aprender a improvisar em música envolve processos cognitivos, inclusive fisiológicos, semelhantes aos envolvidos no aprendizado de uma língua humana. Se uma pessoa [um músico] quer aprender um idioma [linguagem musical], essa pessoa precisa começar do zero? Não, pois já sabemos ao menos falar [tocar um instrumento]. Às vezes temos que aprender a articular fonemas novos [técnicas novas], para então aprender as sílabas [sons], palavras [motivos] e frases [temas], passar por todas as etapas de desenvolvimento cognitivo até chegar a falar [tocar] algo que faça sentido naquele idioma [linguagem musical]. Por fim, seria possível compreender um discurso no idioma novo e depois adquirir fluência no[a] diálogo [improvisação]. O problema é que, se comparado ao conteúdo de aulas de língua estrangeira, o conteúdo das aulas de improvisação que tive oportunidade de assistir aborda as sílabas [notas], concordância nominal e verbal [harmonia] e espera-se que com isso consigamos nos comunicar com fluência numa língua [improvisar]. E geralmente abomina-se o clichê, que, na verdade, seria parte do “vocabulário” do gênero musical. E aí? Como compreender uma língua sabendo apenas “como” se fala, mas sem saber o “quê” se fala?

Acredito que um bom improvisador é o que tem ou que buscou a vivência do idioma que pretende falar. Quem pretende “falar” choro, geralmente, só o consegue freqüentando rodas de choro, assim como quem pretende "falar" Jazz freqüenta jam sessions. É fundamental essa vivência, mas com uma boa metodologia o aprendizado é mais objetivo e o aluno “sairá para o mundo sabendo o que procurar”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORGES NETO J. Música é linguagem?. Revista Eletrônica de Musicologia – Volume IX Outubro de 2005.
WOLFE, Joe. Speech and music, acoustics and coding, and what music might be ‘for’. ISBN 1 876346 39 6. ICMPC7, Sydney, Australia, July 2002. (Este texto é fruto da 7ª Conferência Internacional de Percepção Musical e Cognição, realizado em Sydney no ano de 2002).
ANDRADE, P.E. Uma abordagem evolucionária e neurocientífica da música. Revista Neurociências,vol 1, Nº1, julho-agosto de 2004.
ZATORRE, R. Music: the food of Neuroscience. Nature, vol 343, 17 march 2005, p.312-315.
MCMULLEN, E. and SAFFRAN, J.R. Music and Language: A Developmental Comparison. Music Perception – Spring 2004, Vol. 21, No. 3, 289–311.